terça-feira, fevereiro 24, 2009

"Em vez de nos preocuparmos com as «causas do atraso», ou seja, porque tínhamos mais analfabetos e menos escolarizados do que outras sociedades, seria provavelmente mais útil tentarmos compreender como é que os portugueses acediam às letras, em que idades, por que vias; por outras palavras, quais eram as tipologias e os ritmos de acesso dos portugueses à cultura escrita na época que nos interessava? Quando entrámos neste tipo de caminhos, mais importante do que perceber a razão por que determinados povos se alfabetizaram mais rapidamente do que outros foi o tentar compreender o que levou as pessoas a aprederem a ler e escrever, que meios usaram para aceder a esta nova cultura, em que altura das suas vidas o fizeram, como inscreveram estas aprendizagens e o uso que delas fizeram nos seus quotidianos; enfim, quando, como e porquê entraram as pessoas num tipo de cultura hoje dominante."


"Na verdade, questões como o esforço protestante no sentido da interiorização da religião, a tradução dos textos religiosos mais importantes para as línguas vernáculas e o encorajamento da sua leitura por tantos quantos o pudessem fazer, parecem ter feito com que o movimento de evangelização protestante do século XVI se tivesse cruzado com um intenso esforço de alfabetização nas regiões mais tocadas pela Reforma."


"Não nos referimos aqui a formas de escolarização mais organizadas e restritas como os Colégios, mas de escolas ou formas de alfabetização populares, com currículos imprecisos e diversificados em que pontificavam sobretudo a instrução religiosa, a leitura e a escrita, em vernáculo ou em latim, e que, abrangendo sobretudo crianças, não as definiam de uma forma tão precisa como o farão nos séculos seguintes, sendo os critérios de idade ainda vagos; referimo-nos (...) aos pastores protestantes escandinavos que ensinavam a leitura aos adultos e sobretudo às mulheres do campo, ao mesmo tempo que controlavam o que elas liam e faziam delas as alfabetizadoras e catequistas dos maridos e dos filhos (...)."


"Destes 14 alfabetizados e/ou escolarizados, apenas 5 eram mulheres (...) o que, estando de acordo com as tendências que apontam para a primazia do masculino no acesso à escrita em fases iniciais da sua difusão, realça também a persistência nos meios rurais do virar do século de um tipo de sociedade marcadamente patriarcal." (Sobre a geração nascido entre 1888 e 1914 em Portugal, na freguesia do Bêco, Ferreira do Zêzere).


In "Transnacionalização da educação, da crise da educação à "educação" da crise", Stoer et al., 2001, Edições Afrontamento.


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